Saudações Iniciantes, hoje vamos resenhar um dos livros mais importantes dos últimos dois séculos: "A desobediência civil" ...

A desobediência civil - A recusa popular

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     Saudações Iniciantes, hoje vamos resenhar um dos livros mais importantes dos últimos dois séculos: "A desobediência civil" de Henry Thoreau. Por ser um livro de não-ficção, o conteúdo é denso e exigirá comentários mais densos, então nos acompanhem e comentem no post para ampliar a nossa discussão, ok? 

Ficha técnica:

Autor: Henry David Thoreau (1817 - 1862)

Título: A desobediência civil.

Editora: Antofágica; 224p.; formato de capa dura; dimensões: 18 x 12 x 2cm.

Tradução: André Czanorbai.

Artes de: Mateus Acioli.


Fonte: Todas as imagens usadas aqui foram reproduzidas a partir do site da Editora Antofágica


A obra e sua história:

    Entre 1846 e 1849 a primeira e segunda edição de A desobediência civil eram publicadas. O livro marca um acontecimento na história da literatura ensaística e política do século XIX, e tamanho impacto nasce de um acontecimento de pouco valor: US$1,50 - foi esta a quantia que prendeu o filósofo Henry Thoreau. 

    A situação é, na verdade, tragicômica: o pensador, que vivia na vila de Concord, em Massachusetts (um dos estados da federação dos EUA, localizado na parte norte do país), ao sair de casa para buscar um sapato no sapateiro, se encontra com um coletor de impostos que exige dele U$1,50 para serem pagos ao estado; o escritor se recusa a atender ao pedido e, por isso, é preso. Ainda que tenha ficado um dia no presídio, Thoreau teve sua vida impactada completamente pelo episódio ao ponto de redigir este texto clássico sobre a desobediência civil. 

    A recusa de pagar o imposto, na verdade, já vinha de tempos: seis anos antes do acontecimento, em razão de sua relutância de viver em sociedade, morando numa casa construída próximo à natureza (tal experiência é citada no livro Walden). O motivo? Protesto! Henry Thoreau não queria ajudar a custear as maiores injustiças que os EUA alimentava: a guerra contra o México (1846 - 1848) e o escravagismo no país. Por considerar as práticas injustas e antiéticas, Thoreau decidiu não contribuir com seus impostos para alimentar estas barbaridades, e assim o autor foi considerado como o pai da desobediência civil. 

    São estes assuntos que perpassam a obra: o abolicionismo (que só viria a ocorrer em 1865 no país), a condenação da guerra, o conflito entre a autonomia dos humanos e o poder do Estado, as injustiças que as leis podem alimentar etc. Mas o que poderia soar como assuntos sérios e enfadonhos, são tratados aqui com a mais profunda poesia. Fato é que o autor é um ensaísta de primeira: o livro mescla múltiplos tópicos, ora mais éticos, como a virtude daqueles que contrariam a escravidão, ora políticos, onde se questiona os limites do moderno sistema democrático, e mesmo assim estamos diante de uma obra sensível, ampliando o humanismo que se faz presente em cada parágrafo do livro. O único ponto negativo é ver que a obra se estende demasiadamente, senti certo cansaço quando ultrapassei as 180 páginas.

A edição:

     Adquiri a versão da Antofágica como ebook para o Kindle, portanto não tive a chance de tocar e ler as páginas coloridas; contudo, o brilho do material é irradiado pelo seu próprio conteúdo. Conforme vemos no site da editora, percebemos que algumas páginas possuem diagramação diferentes, leitura na horizontal, e tudo isso é pensado, afinal, o grande objetivo aqui é desobedecer, ou seja, quebrar convenções - a inventividade nasce da recusa, da negação do que é dado como natural, inalterável, em suma, a suspensão da ordem, da lógica que nos amarra. A alienação da obediência alimenta guerras e injustiças, este é um dos grandes ensinamentos de Thoreau e a Antofágica, acertadamente, incorpora estes valores no próprio livro. Ainda na edição contamos com a presença de bons ensaios e textos complementares (que são marca registrada da editora) que visam dilatar nossas pálpebras para enxergamos além do próprio texto: reflexões que associam Thoreau com o movimento anarquista, Gandhi e Martin Luther King Jr., as formas de transgredir a lei em nome de uma convicção política, bem como a aproximação entre o ensaísta e a cultura política brasileira. Além disso, as ilustrações de Mateus Acioli acrescentam à edição como verdadeiras intervenções artísticas.


A desobediência civil é um caminho?:

    Nos textos finais à edição, citados acima, há um ótimo debate sobre os limites e méritos da prática da desobediência civil: ela deve ser sempre pacifista, como aquela praticada por Gandhi e Luther King? Ou, a ideia de "civil" não refere-se à "civilidade", mas sim ao conteúdo "popular" das reivindicações? Quando Thoreau rejeitou o pagamento dos impostos ele estava ciente que colocava a si e suas propriedades em risco, se expondo às mazelas da prisão e confisco governamental de suas posses, mas ele insistiu na direção que sua consciência ética o impunha. O protesto particular, tinha a grandeza estatal: seu país ainda contava com os sulistas escravocratas e que desejavam expandir os limites territoriais da nação subjugando outra (o México). As leis, afinal, alimentavam não a liberdade e moral de um povo, e sim sua obediência cega e injustiças contra aqueles que foram considerados sub-humanos. 


    Thoreau não pegou em armas, não criou levantes populares, porém aceitou sua prisão, saiu de lá no dia seguinte, e ainda lamentava por alguém ter feito por ele aquilo que ele combatia: ao pagarem pelo imposto (poll tax), a liberdade de Thoreau foi recuperada. Ao sair da prisão, suponho que o filósofo tenha questionado: que tipo de liberdade é esta, afinal? Considero este um processo muito simbólico: Thoreau sai de cena, mas outro cidadão cumpre o seu papel. A força da desobediência civil parece ser sua fraqueza: ao mesmo passo que a desobediência é um protesto legítimo porque tensiona as democracias, fortalece a pluralidade de visões de mundo e expande a imaginação política, ela mesma encontra seu fracasso quando a adesão não é total (aliás, quando será em termos de assuntos humanos, não?). Lamentavelmente, não foi o protesto singular do filósofo que encerrou a escravidão, mas sim uma verdadeira guerra civil; por outro lado, outras experiências, como as de Luther King Jr. e Gandhi são bem sucedidas, então, quem possui a verdade?

    Independente de termos ou não a resposta, a leitura da Desobediência Civil se mostra necessária. Precisamos, hoje mais do que nunca, de uma criatividade honesta no simples ato de recusar a ordem natural das coisas - como bem pontuado por Juliana Borges (p.198): "Para Thoreau, não havia utilidade na disseminação de um discurso sem que esse espelhasse, ou ao menos, fosse seguido por uma ação. Ou seja, o exercício da crítica reside na prática."

Encerramos o post por aqui, agradeço imensamente à você, leitor(a) que nos acompanhou, e o convite segue aberto: comente e interaja conosco para ampliarmos esta discussão saudável e pertinente. Tenham um ótimo dia e até mais!



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